quarta-feira, março 29

Enquanto isso no Brasil...*

Trinta anos depois do golpe militar que vitimou mais de 30 mil pessoas - mortas ou desaparecidas - em apenas sete anos, o governo argentino anunciou que vai tornar público os arquivos secretos da ditadura militar, amargada pelo país entre 1976 e 1983. O objetivo, nas palavras da ministra da defesa argentina, é "garantir o acesso irrestrito à informação sobre os fatos gravíssimos ocorridos em nosso país durante a última ditadura militar".
No Brasil, grande parte dos arquivos da ditadura permanecem às escuras. Em dezembro de 2002, no final de seu mandato, o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou um decreto classificando os documentos de quatro formas: "ultra-secretos" (que permaneceriam em segredo por mais 50 anos com possibilidade de renovação indefinida, o "sigilo eterno"), "secreto" (sigilo de 30 anos) "confidencial" (20 anos) e "reservado" (10 anos).
A única medida praticada pelo atual gestão em relação ao decreto de FHC foi a criação de uma nova determinação, que alterou o prazo de sigilo dos arquivos: os "ultra-secretos" passaram a ter tempo determinado de 30 anos, prerrogáveis por mais 30, e os "secretos" 25 anos, renováveis por outros 50.
Pelo andar da carroagem, muitos dos militares que lideraram e conduziram o golpe em 1964 continuarão por aí, recebendo aposentadorias recheadas, comandando ações inconstitucionais nos morros cariocas, fazendo tratos dos mais variados com os traficantes, ganhando dinheiro com eles e pressionando o omisso governo para que o sigilo jamais seja quebrado.
* Idéia do Jogo Aberto.



















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quinta-feira, março 23

Vou-me embora

O Zé Colméia é um cidadão que eu conheci hoje, na fila pra comprar o ingresso pro show do Jack Johnson. Sim, eu consegui comprar o ingresso! Tudo bem que as meias entradas estavam esgotadas e eu acabei pagando os olhos da cara pela inteira, mas beleza, o contexto do show vai valer a pena.
Pois então, voltando a falar do figura. Estava eu na loja esperando na fila quando vi umas camisetas à venda, colocadas ao meu lado. Bem bacanas, por sinal. Puxei a etiqueta de uma delas e me abismei: R$ 228. Peguei uma outra e... R$ 200. "Cacete, duzentos conto. Que beleza!", pensei alto. Foi quando um cidadão de cabelos cacheados encobrindo as orelhas e chapeuzinho estilo Indiana Jones se virou para mim e disse, com um certo sotaque:
- Você vê, rapaz, que coisa, não?
- Que maravilha, e tem nego que compra - eu retruquei.
- O ingresso também não está dos mais baratos.
- Não vou te mentir não, tá sargadinho.
E nisso o papo foi indo. Falamos do Jack Johnson, da chuva, que estava desabando e congestinando São Paulo naquele momento, e de mais alguns desses assuntos corriqueiros que costumamos falar com as pessoas que conhecemos em filas, sabe?
- E esse sotaque, de onde vem? - perguntei.
- Sou da Pasárgada, conhece?
- Não, mas já ouvi falar. Você conhece o rei de lá?
- Sim, lá sou amigo do rei e tenho a mulher que eu quero. E digo mais: na cama que eu escolho.
- Massa, hein?
Eu nunca tinha conhecido um cara da Pasárgada. Lembro de ter estudado sobre o lugar na minha infância, e até me lembrava de alguns detalhes.
- É verdade que lá têm prostitutas bonitas?
- Sim, e pra gente namorar. Em Pasárgada tem tudo, é outra civilização. Tem um processo seguro de impedir a concepção. Tem telefone automático e tem alcalóide à vontade.
Xiiii, a conversa começava a ficar complexa. Processo de impedir concepção, alcalóide. Que diabos seria um alcalóide? Tive vontade de perguntar, mas o Zé falava da terra dele com tanta empolgação que eu nem quis interrompê-lo. Não aguentei.
- Oh louco, mas por que você saiu de um lugar fera como esse e veio pra São Paulo?
- Vim porque eu queria conhecer de perto essa tal de civilização. Lá na Pasárgada, os jovens estão vindo bastante para a chamada civilização.
- Hum, interessante. Mas e aí, o que você tá achando?
É óbvio que nesta altura da conversa os nossos ingressos já estavam comprados e bem guardados. O papo, bem interessante, afinal, não é sempre que a gente tem a oportunidade de conhecer pessoas de um lugar tão aguçante quanto a Pasárgada.
- Eu to achando bem bacana. É sempre bom conhecer novos lugares, novos povos, novos costumes. Tem muita coisa legal, mas tem muita, muita coisa ruim e injusta na civilização.
A conversa começava a ficar intrigante, e eu cada vez mais curioso. O que será que o Zé Colméia achava ruim e injusto? Eu sei que existe muita ruindade e injustiça por aqui, mas qual seria a visão de um pasargadense?
- Ah, não me leve a mal, meu caro Alex, mas as pessoas aqui são muito prepotentes, têm pouca educação. Não respeitam os semelhantes, tampouco o meio ambiente. Os civilizados são arrogantes ao ponto de se acharem superiores aos animais. Falam que os animais são irracionais, "burros", mas que tipo de racionalidade é essa que é capaz de derrubar florestas inteiras a troco daquilo que vocês chamam de dinheiro? Será que o dinheiro vai poder comprar ar puro quando ele não existir mais? Será que o dinheiro vai poder comprar espécies de animais quando elas só existirem nos casacos das mulheres ricas?
Era verdade, e eu nunca tinha parado pra pensar. Aliás, vocês já repaparam que se tornou habitual ouvirmos na tevê que uma área de floresta equivalente a não sei quantos campos de futebol foi destruída por uma queimada? E a gente nem liga mais. Esses dias li em algum lugar um trecho de uma música do Manu Chao que dizia: "É sempre mais fácil empurrar com a barriga e deixar o abacaxi para os netos. Mas enquanto o mundo continua parolando, o termômetro e a água vão subindo".
- Na Pasárgada eu ando de bicicleta, monto em burro brabo e, de quebra, quando estou cansado, deito no rio e ouço histórias da mãe-d'água.
- Caramba, Zé. Pelo jeito você nunca fica triste lá...
- Fico, mas quando fico triste de não ter jeito, quando tenho vontade de me matar, eu lembro que sou amigo do rei e que tenho a mulher que eu quero. E o melhor: na cama que eu escolho.
Iremos juntos ao show do Jack Johnson. Eu com a Mari e ele com a ursa.

sexta-feira, março 10

Os militares estão do nosso lado


Um dos assuntos do momento no Brasil é a ação nos morros cariocas promovida pelo exército, que teve dez fuzis e uma pistola roubados por traficantes há alguns dias. Tiroteios, pessoas chorando, moradores mortos, as imagens não são novas. A novidade, agora, tem relação com a ocupação do exército nas favelas. Estariam ocorrendo arbitrariedades? Poderiam os militares revistar e interrogar pessoas, atribuições das polícias civil e militar, e, mais ainda, invadir casas desprovidos de mandados judiciais? Por conta destas ações, o Ministério Público Federal entrou com ação para que a justiça suspenda as operações.
A polêmica é tamanha que o portal Terra abriu um espaço em seu site para que os internautas coloquem ali suas opiniões a respeito do assunto. Li aproximamente 20 postagens, todas fervorosamente favoráveis à ocupação do exército. As argumentações são basicamente duas: se a polícia não consegue eliminar o tráfico, que o exército o faça, e continuem com as ocupações. Os procuradores da República que entraram com a ação na justiça têm ligação com os traficantes, dizem alguns. Vai saber.
O fato é que o exército está violando a lei, e se a lei não está sendo obedecida, algo tem que ser feito. Ou continuaremos vivendo em um país onde os dominantes deitam e rolam sem qualquer pudor. É inocência pensar que os militares estão nas favelas para combater o tráfico. Arrogantes como são, eles querem dar uma lição aos meros mortais que ousaram roubar algo de seu patrimônio. Em nenhum momento eles estão pensando em eliminar os traficantes para melhorar a vida da população. Esses militares são aqueles mesmos que, na década de 60, golpearam o Estado e proclamaram a ditadura, período marcado por torturas, mortes, perseguições e censura.
Perguntei para um colega jornalista do Diário, carioca, o que ele achava de tudo isso. A opinião dele é bem parecida com a minha: a luta contra o tráfico, aquilo que a população ingenuinamente acha que o exército está fazendo, começará a ser vencida quando a comercialização das drogas for legalizada. O uso de entorpecentes só cresce ao redor do mundo. Logo, a batalha contra o tráfico é infindável. Como bem disse o meu colega, o consumo irrestrito só será vencido por meio da informação, e não através de tiros, gritos, força e ocupações ilegais. As drogas mais consumidas no mundo, anfetamina e álcool, estão aí, nas farmácias, bares, supermercados. Estão em cada esquina.

quarta-feira, março 1

Vem de outros carnavais

Eu nunca fui muito fã de carnaval. Na verdade, até este ano, o carnaval era esperado por mim apenas por ser esta uma data em que todos os meus amigos se dispõem a viajar - coisa difícil de acontecer pro pessoal lá de Dois Córregos. Apenas agora, em 2006, é que eu fui me atentar um pouco mais quanto aos diversos carnavais que ocorrem pelo Brasil. Como tive que trabalhar, vi bastante coisa pela tevê e li alguma coisa nos jornais. Mas o que me levou a escrever este texto foram algumas reflexões, nem tão refletidas assim, a respeito dos carnavais de avenida do Rio e de São Paulo.
Posso estar falando besteira e aqueles que gostam dos carnavais no Sambódromo do Anhembi podem querer me bater, mas eu acho o carnaval de São Paulo muito sem graça. Na minha opinião, carnaval de avenida não combina com o paulistano, não combina com o clima hostil da cidade. A cidade que, aliás, fica vazia. O rio Tietê ali do lado também mata.
Já o carnaval da Sapucaí tem muito mais energia, vibração. Carnaval tem tudo a ver com carioca. Ao contrário das escolas de samba de São Paulo, as cariocas têm muito mais tradição. Salgueiro, Mangueira, Mocidade têm muito mais peso que Vai-Vai, Gaviões da Fiel e Rosas de Ouro. O sambódromo carioca tem muito mais energia, gente e alegria. Os puxadores das escolas têm um timbre muito mais forte, são muito mais cativantes e contagiantes.
Neste quesito, São Paulo perde feio.