quinta-feira, março 23

Vou-me embora

O Zé Colméia é um cidadão que eu conheci hoje, na fila pra comprar o ingresso pro show do Jack Johnson. Sim, eu consegui comprar o ingresso! Tudo bem que as meias entradas estavam esgotadas e eu acabei pagando os olhos da cara pela inteira, mas beleza, o contexto do show vai valer a pena.
Pois então, voltando a falar do figura. Estava eu na loja esperando na fila quando vi umas camisetas à venda, colocadas ao meu lado. Bem bacanas, por sinal. Puxei a etiqueta de uma delas e me abismei: R$ 228. Peguei uma outra e... R$ 200. "Cacete, duzentos conto. Que beleza!", pensei alto. Foi quando um cidadão de cabelos cacheados encobrindo as orelhas e chapeuzinho estilo Indiana Jones se virou para mim e disse, com um certo sotaque:
- Você vê, rapaz, que coisa, não?
- Que maravilha, e tem nego que compra - eu retruquei.
- O ingresso também não está dos mais baratos.
- Não vou te mentir não, tá sargadinho.
E nisso o papo foi indo. Falamos do Jack Johnson, da chuva, que estava desabando e congestinando São Paulo naquele momento, e de mais alguns desses assuntos corriqueiros que costumamos falar com as pessoas que conhecemos em filas, sabe?
- E esse sotaque, de onde vem? - perguntei.
- Sou da Pasárgada, conhece?
- Não, mas já ouvi falar. Você conhece o rei de lá?
- Sim, lá sou amigo do rei e tenho a mulher que eu quero. E digo mais: na cama que eu escolho.
- Massa, hein?
Eu nunca tinha conhecido um cara da Pasárgada. Lembro de ter estudado sobre o lugar na minha infância, e até me lembrava de alguns detalhes.
- É verdade que lá têm prostitutas bonitas?
- Sim, e pra gente namorar. Em Pasárgada tem tudo, é outra civilização. Tem um processo seguro de impedir a concepção. Tem telefone automático e tem alcalóide à vontade.
Xiiii, a conversa começava a ficar complexa. Processo de impedir concepção, alcalóide. Que diabos seria um alcalóide? Tive vontade de perguntar, mas o Zé falava da terra dele com tanta empolgação que eu nem quis interrompê-lo. Não aguentei.
- Oh louco, mas por que você saiu de um lugar fera como esse e veio pra São Paulo?
- Vim porque eu queria conhecer de perto essa tal de civilização. Lá na Pasárgada, os jovens estão vindo bastante para a chamada civilização.
- Hum, interessante. Mas e aí, o que você tá achando?
É óbvio que nesta altura da conversa os nossos ingressos já estavam comprados e bem guardados. O papo, bem interessante, afinal, não é sempre que a gente tem a oportunidade de conhecer pessoas de um lugar tão aguçante quanto a Pasárgada.
- Eu to achando bem bacana. É sempre bom conhecer novos lugares, novos povos, novos costumes. Tem muita coisa legal, mas tem muita, muita coisa ruim e injusta na civilização.
A conversa começava a ficar intrigante, e eu cada vez mais curioso. O que será que o Zé Colméia achava ruim e injusto? Eu sei que existe muita ruindade e injustiça por aqui, mas qual seria a visão de um pasargadense?
- Ah, não me leve a mal, meu caro Alex, mas as pessoas aqui são muito prepotentes, têm pouca educação. Não respeitam os semelhantes, tampouco o meio ambiente. Os civilizados são arrogantes ao ponto de se acharem superiores aos animais. Falam que os animais são irracionais, "burros", mas que tipo de racionalidade é essa que é capaz de derrubar florestas inteiras a troco daquilo que vocês chamam de dinheiro? Será que o dinheiro vai poder comprar ar puro quando ele não existir mais? Será que o dinheiro vai poder comprar espécies de animais quando elas só existirem nos casacos das mulheres ricas?
Era verdade, e eu nunca tinha parado pra pensar. Aliás, vocês já repaparam que se tornou habitual ouvirmos na tevê que uma área de floresta equivalente a não sei quantos campos de futebol foi destruída por uma queimada? E a gente nem liga mais. Esses dias li em algum lugar um trecho de uma música do Manu Chao que dizia: "É sempre mais fácil empurrar com a barriga e deixar o abacaxi para os netos. Mas enquanto o mundo continua parolando, o termômetro e a água vão subindo".
- Na Pasárgada eu ando de bicicleta, monto em burro brabo e, de quebra, quando estou cansado, deito no rio e ouço histórias da mãe-d'água.
- Caramba, Zé. Pelo jeito você nunca fica triste lá...
- Fico, mas quando fico triste de não ter jeito, quando tenho vontade de me matar, eu lembro que sou amigo do rei e que tenho a mulher que eu quero. E o melhor: na cama que eu escolho.
Iremos juntos ao show do Jack Johnson. Eu com a Mari e ele com a ursa.

2 comentários:

Mari disse...

Lindo!!!!!!
Meio smeagol esse também hein? Muito, muito bom!!!!!
Eu concordo bastante com o Zé Colméia... passou da hora de essa gente que se acha pensante usar o pouco de cérebro que tem pra avaliar se é digna de ser denominada "racional". Pra mim, essa ganância, essa loucura, quase um vício por dinheiro, é o que destrói tudo. Evolução... essa palavra precisa ser repensada.

Anônimo disse...

Onde fica Pasárgada?