quinta-feira, maio 14

José Arcadio Buendía

"Já quase pulverizado pela profunda decrepitude da morte, Prudencio Aguilar vinha duas vezes por dia conversar com ele. Falavam de galos. Prometiam fazer uma criação de animais magníficos, não tanto para desfrutar umas vitórias que no momento já não lhes fariam falta, mas para ter alguma coisa com que se distrair nos tediosos domingos da morte. Era Prudencio Aguilar quem o limpava, quem lhe dava de comer e quem lhe levava notícias esplêndidas de um desconhecido que se chamava Aureliano e que era coronel de guerra. Quando só, ele se consolava com o sonho dos quartos infinitos. Sonhava que se levantava da cama, abria a porta e passava para outro quarto igual, com a mesma cama de cabeceira de ferro batido, a mesma portrona de vime fundo. Desse quarto passava para outro exatamente igual, cuja porta abria para passar para outro exatamente igual, e em seguida para outro exatamente igual, até o infinito. Gostava de ir de quarto em quarto, como numa galeria de espelhos paralelos, até que Prudencio Aguilar lhe tocava o ombro. Então voltava de quarto em quarto, acordando para trás, percorrendo o caminho inverso, e encontrava Prudencio Aguilar no quarto da realidade. Uma noite, porém, duas semanas depois de o terem levado para a cama, Prudencio Aguilar tocou-lhe o ombro num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real. (...) Então entraram no quarto de José Arcadio Buendía, sacudiram-no com toda a força, gritaram-lhe ao ouvido, puseram um espelho diante das fossas nasais, mas não puderam despertá-lo. Pouco depois, quando o caripinteiro tomava as medidas para o ataúde, viram pela janela que estava caindo uma chuvinha de minúsculas flores amarelas. Caíram por toda a noite sobre o povoado, numa tempestade silenciosa, e cobriram os tetos e taparam as portas, e sufocaram os animais que dormiam ao relento. Tantas flores caíram do céu que as ruas amanheceram atapetadas por uma colcha compacta, e eles tiveram que abrir caminho com pás e ancinhos para que o enterro pudesse passar."

Trecho de "Cem anos de solidão", de Gabriel García Márquez.

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